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O dilema de uma geração: empregado ou empreendedor?

"As pessoas que fazem a História não têm o privilégio de assistir às mudanças.
Na verdade, a História não lhes concede esse direito. Estão no olho do furacão, em intensa atividade, fazendo o caminho, sem tempo para observar as viravoltas de suas andanças. Alguém depois escreverá sua história."

I

O EMPREGO NO SÉCULO PASSADO
Até o final da década de 70, século passado, eram comuns, na região metropolitana de São Paulo, placas afixadas nos portões de pequenas, médias e grandes indústrias, com ofertas de emprego as mais variadas. As famosas placas PRECISA-SE, que logo cedo tinham grande audiência de empregados e de candidatos a emprego. Não se conhecia desempregado. Não se falava tanto em desemprego. Não localizei estatísticas sobre o desemprego da década de 70, mas no início da década de 80 era de aproximadamente 4%. Porque era fácil, para qualquer um que chegava a São Paulo, obter um emprego de imediato, como vigia, faxineiro, servente, doméstica, frentista e, nas indústrias, como auxiliar de serviços gerais. No comércio, o fenômeno se repetia. Em todos os lugares e todos os dias. Bastava ter alguma experiência, muitas vezes dispensada, em alguns casos boa aparência - os anúncios ressaltavam essa "qualidade", hoje a temos de outra forma, boa apresentação, já como premissa e com significado diferente daquele à época, que muitas vezes era preconceituoso, racista, discriminatório e discricionário -, e as pessoas eram contratadas. Com carteira assinada. Curso ginasial (correspondente ao período entre as quinta e oitava séries do ensino fundamental) era bem-vindo, colegial (atual ensino médio) garantia altos salários. Ninguém ficava na rua. Reproduzo o texto de alguns interessantes anúncios da época:

RECEPCIONISTAS
Moças com idade de 14 a 15 anos, com boa aparência. Apresentarem-se á Rua Honduras, 1300 ( fim da Augusta)

A Empresa Folha da Manhã S/A.
Ampliando seu quadro de funcionários está admitindo:
AUXILIARES DE ESCRITÓRIO
ELETRICISITAS DE MANUTENÇÃO
PORTEIROS
PEDREIROS
SERVENTES DE PEDREIRO
AUX. PARA SERVIÇO BRAÇAL
FAXINEIROS
Oferece ótimo ambiente de trabalho, completa assistência médico-hospitalar e dentária extensiva aos dependentes.

E o curso mais procurado:

DATILOGRAFIA
CURSO DE FÉRIAS
Sem taxa de matrícula durante este mês. ESCOLA REMINGTON Rua Xavier de Toledo,71 5º andar

Era a empresa atraindo e cativando o candidato, vejam o anúncio da Folha, com vaga até para auxiliar de serviço braçal. O que acontece hoje, quando se anunciam 100 vagas de gari ou dez vagas em um supermercado? Dezenas de milhares de candidatos, a maioria com boa formação escolar e experiência anterior em áreas onde eram muito mais exigidos.

II

O EMPREGO NA VIRADA DO SÉCULO

Aos poucos, essa relação foi mudando. As pequenas e médias indústrias entraram em obsolescência, não acompanharam a evolução tecnológica e desapareceram. As grandes indústrias, com alta capacidade de investimento, a maior parte delas multinacionais, modernizaram-se, robotizaram-se e extinguiram de seus quadros muitas funções. Por exemplo, o sistema bancário empregava no Brasil, no início dos 90, perto de 1 milhão de pessoas, hoje menos de 350 mil.

Anos 80: O ABC paulista gera, então, ondas de desempregados; a migração nordestina em direção a São Paulo, a terra dos sonhos e dos sonhos realizados arrefece, ou melhor, inverte-se o fluxo: agora é preciso voltar.

Como invasão bárbara, surgem os exércitos de camelôs, antigamente chamados carinhosamente de mascates, depois de vendedores ambulantes, sobreviventes do desemprego, lutando por espaços nobres onde o comércio prosperava, matando o comércio e...reduzindo o emprego. A era das quinquilharias paraguaias, dos CD, videogames e softwares piratas, dos brinquedos e eletrônicos chineses, mais recentemente dos DVD piratas, toma conta da cidade, juntando-se aos eternos vendedores de guarda-chuva e capas de chuva quando chove, de abacaxi, melancia, água e refrigerante quando faz sol, aos repentistas, mágicos e malabaristas da Praça da Sé oferecendo nas grandes rodas banhas de poraquê para cura de todos os males, até de espinhela caída.

As eras foram se sobrepondo, com novos e improvisados empregos de compra e venda de passes do metrô, vale-transporte, anúncios-vivos, carregadores de placas de compro ouro, celular, dólar, tira-se fotografia, chapa dos pulmões. Quem sumiu do ambiente foi o ambulante das loterias, já que a loteria federal também sumiu do mapa, dando lugar a tantas outras federais, raspadinhas, tele-senas e que tais.

O jovem de hoje, que não conheceu este mundo dos anos 70, e talvez pouco dos 80, encontra agora à sua frente a ausência de ofertas. A alta especialização exigida, a performance, os resultados, a experiência, a recessão, fecham-lhe as portas. E as esperanças. Mesmo que com pós-graduação, doutorados, mestrados, MBA e títulos não imaginados pela juventude setentista.

Como mudar esse quadro? É possível mudar? Será possível gerar os 10 milhões de empregos prometidos em recente campanha presidencial? Pode não ser o melhor exemplo, mas pela coincidência de números e de propósitos, faço questão de citá-lo: será possível aos Estados Unidos gerarem 10 milhões de empregos, como promete agora o candidato Kerry, se desapareceram 2 milhões de postos de trabalho no Governo Bush? O PIB (Produto Interno Bruto, medida da riqueza produzida pelo país em um período) do Brasil em 2003 é de US$ 510 bilhões, o dos Estados Unidos de US$ 10,857 trilhões, vinte vezes maior.

As exportações brasileiras em 2003 somaram US$ 73 bilhões, a dos Estados Unidos US$ 1 trilhão, a população brasileira economicamente ativa é de 78 milhões, a dos Estados Unidos de 135 milhões, a população total do Brasil é de 178 milhões e a dos Estados Unidos de 292 milhões de habitantes.

Sombrio o quadro, não? Havemos de nos contentar com nosso subdesenvolvimento? Ou...

...haverá solução? Temos todo dia notícias de milagres brasileiros localizados. O mais expressivo e contundente, com certeza é a revolução ocorrida na agricultura. Há menos de dez anos, nossa produção agrícola estava próxima a 70 milhões de toneladas no ano; já em 2003 ultrapassou 130 milhões de toneladas. O mundo está de olho em nossa produtividade. Como isso aconteceu? Com tecnologia, com gente bem preparada, com pesquisa. E com pouco incentivo governamental. Segundo relatórios da ONU, a produção agrícola brasileira pode ultrapassar a dos EUA nos próximos 12 anos.

Há alguns caminhos que podem ser apontados, vislumbrados, e trilhados, por que não? Como ser empregado nos dias de hoje? Como obter e manter um emprego?

A primeira dificuldade para o jovem é decidir o que vai ser quando crescer. A profissão em alta hoje pode deixar de existir muito rapidamente. Na década de 60, ainda do século passado, um dos melhores empregos era ser professor. De escola primária até. O que chamamos hoje de ensino fundamental. Professor de faculdade era o máximo então. A partir da reforma do ensino no início da década de 70, findou-se a ilusão, os salários se aviltaram e ser professor passou a ser sinônimo de missionário, voluntário. E baixa, baixíssima remuneração.

A era romântica terminava. Depois vieram as profissões liberais, médico, engenheiro, advogado, dentista, os doutores, como profissões de ponta, com alta remuneração e reconhecimento. Não perderam o atrativo, com certeza, mas o mercado saturou-se, com levas de profissionais formados. E sem emprego. Pelo menos na área de formação.

O que existirá daqui a cinco anos, quando você terminar sua faculdade e for procurar seu primeiro emprego, numa visão digamos conservadora de inserção no mercado - primeiro estudar, depois trabalhar; um bom diploma, um bom emprego -? Algumas pistas são possíveis. Sem transformar nossas vidas num exercício de futurologia, podemos investir em alguns ramos de atividade, que pelos dados e fatos existentes, demonstram uma tendência de crescimento e de alto poder de geração de renda, como o turismo, a agroindústria e o agronegócio, a biotecnologia, o terceiro setor, o comércio exterior, a Biomimética. Para cada uma dessas áreas, há informação disponível em livros, revistas, jornais, Internet. Basta pesquisar.

Você está disposto, disposta, a apostar? Seu emprego está em São Paulo ou Bombaim? Em Kuala Lumpur ou em Luanda? No campo ou na cidade? No mar ou na floresta? Quem sabe nos céus, na estratosfera?

Não seria mais interessante repensar todo o processo de formação, já que tudo mudará em tão pouco tempo? Por que não desenvolver a pessoa, em nível superior, dando-lhe os fundamentos, atualizados, consentâneos com o mundo em que vivemos, criando, ao longo do curso, oportunidades para tomada de decisão? Como você pode querer ser médico, sem conhecer nada do processo "ser médico"?

Um novo modelo exige novas disciplinas, novos focos de estudo e de observação na escola, desde o ensino fundamental. Atrevo-me a pensar em algumas, vitais para o desenvolvimento e a navegação pela vida: Liderança, Tomada de Decisão, Empreendedorismo, Estratégias, Psicologia Empresarial, Relações Pessoais, Saúde, Alimentação e Bem-estar, Profissões, Técnicas de Aprendizagem, Técnicas de Concentração. A lista pode continuar.

O ensino médio, em vez de preparar exclusivamente para a guerra do vestibular poderia ser o grande canal de orientação vocacional, tendo em seu currículo como matéria principal o painel geral das profissões.

Outra pergunta que se faz: é possível ser empreendedor, sem dinheiro e sem apoio governamental neste país?

Não há receita. Indicam-se caminhos. Não adianta querer digitar na barra do Google "o que vou ser quando crescer" e aguardar a resposta como um oráculo de uma pitonisa. O futuro só é previsível se pesquisarmos, coletarmos e interpretarmos os indícios das mudanças no presente. Como numa floresta, podemos seguir as pistas deixadas pelo futuro que "passou": sinais, marcas, rastros, ruídos. Não é uma fácil tarefa.

Fonte: Via de Acesso

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